Da Folha de S. Paulo de hoje, http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1396434-brasil-abandonou-a-ideia-de-recuperacao-de-presos-afirma-relator-da-onu.shtml
LEANDRO COLON
DE LONDRES
Em entrevista à Folha, o relator especial sobre tortura da
ONU, Juan Ernesto Méndez, 69, diz estar disposto a visitar os presídios do
Maranhão, inclusive o de Pedrinhas.
"Seria bem útil se o Estado do Maranhão se dirigisse ao
Itamaraty para pedir que indique observadores internacionais, facilitaria muito
as coisas", afirmou ele.
Como relator membro do Alto Comissariado para Direitos
Humanos, com sede em Genebra, o argentino é a autoridade máxima da ONU sobre os
crimes de tortura, principalmente em penitenciárias.
Ele diz que ainda há esperança de reverter o cenário das
cadeias brasileiras.
Folha - É a primeira vez que o sr. vê cenas de decapitação?
Juan Ernesto Méndez - Já vi cenas de mortes entre presos,
outros crimes, mas é a primeira vez que eu vejo decapitação, o que não
significa que não tenha ocorrido. Depois que vi essas terríveis imagens em
Pedrinhas, pedi à minha equipe de Genebra que analise o assunto.
O senhor poderia visitar o Maranhão como relator da ONU?
Sim, mas preciso ser convidado, tem que ter um convite
específico. Por exemplo, eu pedi que fosse convidado a visitar Guantánamo
(EUA), mas me convidaram em condições que não posso aceitar. A visita não pode
ser guiada, tenho que visitar todas as partes da prisão, conversar com o presos
diretamente. Se não me deixam falar com os presos diretamente, não posso ir, é
parte da regra do meu trabalho.
A pressão internacional poderia contribuir para amenizar
essa crise?
É sempre útil que observadores internacionais façam essas
visitas. Seria bem útil se o Estado do Maranhão se dirigisse ao Itamaraty para
pedir que indique observadores internacionais, facilitaria muito as coisas. Eu
estaria disposto a ir se me convidassem ou avaliaríamos se iria o subcomitê de
Direitos Humanos.
Na sua função na ONU, tem encontrado situações parecidas em
outros países?
Lamentavelmente sim, principalmente na América Latina, onde
a situação é: coloca a pessoa presa e fecha a porta. No interior das prisões há
muita liberdade e essa liberdade também vira muito caos e descontrole. Em
lugares como Honduras, México, Brasil e Venezuela, temos encontrado muitos
episódios de violência, em alguns casos motins, outros entre facções.
Há solução a curto prazo?
Temos que ter uma bateria de soluções. A experiência
demonstra que, quanto mais se cria presídios, mais se enche as prisões. É
preciso criar medidas de regeneração, baixar as penas, melhorar acesso à
liberdade condicional.
O senhor citou medidas para regenerar o preso. É possível a
essa altura avançar nesse sentido?
É fundamental e isso faz parte da regra mínima de tratamento
dos prisioneiros, de necessidade de restabelecê-los. Muitos países, como o
Brasil, abandonaram a ideia de recuperação. Todos deveríamos pensar que é um
grande erro abandonar a ideia de recuperação social e moral deles. Há
esperança, não podemos perdê-la, senão mais tragédias como essa do Maranhão vão
ocorrer.
Temos no Brasil a imagem de que o preso sai pior do que
entrou. O senhor concorda?
Exatamente. Creio que a imagem é correta, mas é derrotista
pensar que não se pode fazer nada. Há bastante experiências em políticas penais
que se pode compartilhar. Não depende de recursos, porque há países que têm
sistema penitenciário exemplar e decente e sem dinheiro. Na África, por
exemplo, as condições físicas são ruins, mas o tratamento dos presos não é tão
mal, há uma boa intenção em relação a eles.
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